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Bebidas de grãos fermentados para além da cerveja: o que há de novo?

Foto do escritor:  Ruann de Castro Ruann de Castro

 

Autoria: Vívian Tomasco Andrade (vivian.tomasco.andrade@gmail.com)

Revisão: Caroline Lopes (carolinelopes111@gmail.com) e Ruann Janser Soares de Castro (ruann@unicamp.br).

 

 

Ao longo da evolução humana, os alimentos fermentados ocuparam papéis importantes na alimentação dos indivíduos. Seja de forma ocasional ou intencional, o emprego deste processamento nos alimentos promoveu a conservação e a segurança, antes mesmo que tecnologias como a refrigeração estivessem disponíveis. Além disso, a descoberta de que a fermentação era capaz de agregar características agradáveis e positivas ao produto final, como a textura e os sabores diferentes dos queijos, dos pães e de muitas bebidas, ampliou o seu uso no decorrer da história.

Considera-se outro marco importante no desenvolvimento da humanidade a inclusão de cereais na dieta, visto que a modificação dessa matéria prima nos mais variados alimentos exigiu o desenvolvimento de novos processos e tecnologias (HARMON, 2009). Os grãos, que sempre foram importantes fontes de alimento para os seres humanos, passaram a ser submetidos aos mais diferentes processos de fermentação para a obtenção de diversos produtos, seja o seu consumo restrito à culinária típica de algumas regiões ou amplamente difundido por todo o mundo.

No caso das bebidas, por exemplo, provavelmente você esteja familiarizado e até goste de uma boa cerveja, bebida alcoólica produzida mais comumente a partir de grãos como o trigo e a cevada. As evidências arqueológicas sugerem que as primeiras produções de cerveja ocorreram entre 4000 a 3500 aC, graças aos sumérios e egípcios (WOLF; BRAY; POPKIN, 2008).


Créditos: www.choppkremer.com.br


Outros registros apontam a produção de bebidas fermentadas alcoólicas e não alcoólicas baseadas em grãos nos mais diferentes continentes do globo desde a idade média (FERNANDES; SONAWANE; ARYA, 2018). Veja alguns exemplos:



Mas o que é a fermentação?

De maneira geral, o processo fermentativo pode ser definido como um conjunto de alterações desejáveis provocadas nos alimentos pela ação de micro-organismos, incluindo bactérias, leveduras ou bolores. Eles podem estar naturalmente presentes no alimento, constituindo a sua microbiota - os chamados micro-organismos endofíticos - que promoverão uma fermentação natural em determinadas condições, ou então serem selecionados e adicionados (inoculados) ao meio com algum objetivo específico.

Existem alguns processos principais de interesse na produção de alimentos. A fermentação realizada por leveduras, que pode ter como produto final álcool e CO2, tem aplicação importante na fabricação de bebidas alcoólicas e na produção de pães e massas. A fermentação por bactérias láticas, em que o ácido lático é um dos resultados relevantes do processo, possui como principal aplicação a produção de iogurtes e bebidas de grãos fermentados.

As modificações promovidas pela fermentação estão relacionadas aos micro-organismos que irão atuar no processo, mas também dependem das características dos alimentos e de alguns outros fatores que irão impactar no crescimento microbiano e na sua viabilidade para o desenvolvimento do processo.

Tomemos a cerveja como exemplo. A produção de álcool, desejável na fabricação das cervejas, está relacionada à levedura Saccharomyces cerevisiae. Essa levedura é adicionada a uma mistura de água, grãos maltados e às vezes lúpulo. As condições de temperatura, pH do meio, disponibilidade de oxigênio, de umidade e de nutrientes adequadas permitem que a S. cerevisiae cresça, multiplique-se e produza uma série de compostos, dentre eles o álcool, contribuindo para que a mistura inicial se transforme na nossa cerveja de cada happy hour (Não se esqueça de beber com moderação!).

Uma etapa adicional: o papel da germinação

Os grãos são uma fonte importante de alimento para humanos e animais, já que fornecem diversos macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídios) e micronutrientes (vitaminas, minerais, compostos nitrogenados) e fazem parte de uma dieta equilibrada. Os carboidratos e proteínas, em especial, se encontram na forma de macromoléculas. No caso de carboidratos, é comum encontrá-los como amido, um carboidrato de reserva formado por unidades lineares e ramificadas de glicose, constituindo as cadeias de amilose e amilopectina, respectivamente, que o compõem.

Assim, como o nosso organismo não é capaz de absorver diretamente esses compostos complexos, os micro-organismos envolvidos na fermentação também apresentam maior facilidade de assimilação por nutrientes mais simples. Dessa forma, em alguns processos para a fabricação de bebidas a partir de grãos, esses substratos são submetidos a uma etapa anterior à fermentação: a germinação.

Na germinação, a absorção de água pelos grãos promove a ativação de enzimas endógenas, assim como a produção de novas enzimas capazes de realizar a quebra desses nutrientes de reserva, fornecendo substratos que podem ser mais facilmente utilizados pelos micro-organismos no seu crescimento (para entender um pouco mais sobre as enzimas, o seu papel e como elas trabalham sugerimos darem uma olhada em nosso artigo anterior Enzimas: as proteínas operárias que fazem a vida funcionar e movimentam um mercado bilionário”. Dessa forma, o processo de fermentação, natural ou por meio de inoculação, apresenta um início mais rápido e um melhor rendimento na produção de produtos de interesse.

Vamos voltar mais uma vez nossa atenção para a cerveja (a essa altura você já deve estar com vontade, não?). Como dito anteriormente, os grãos utilizados na fabricação são maltados, ou seja, passam por um processo de maltagem. A maltagem ou malteação consiste na germinação dos grãos antes do processo fermentativo, o que resulta em modificações positivas e necessárias, como: hidrólise de materiais de reserva (carboidratos e proteínas), fornecendo fontes de C e N mais assimiláveis pelos micro-organismos, síntese de vitaminas, redução de compostos antinutricionais, entre outros. Todas essas alterações tornam o substrato mais adequado para o micro-organismo no momento da fermentação, favorecendo a produção da cerveja.

 

Mas, para além da cerveja, o que há de novo?

Assim como permite a preservação e alteração de algumas características sensoriais, a fermentação tem demonstrado seus benefícios na melhoria das qualidades nutricionais das bebidas feitas a partir de grãos fermentados em relação aos grãos crus, bem como um efeito positivo na promoção de saúde.

Muitos estudos têm sido realizados para a investigação e comprovação dos benefícios da fermentação. Além de álcool, outros compostos podem ser produzidos e liberados a partir da fermentação de grãos por uma variedade de micro-organismos, os quais podem impactar positivamente na composição nutricional (VERNI; RIZZELLO; CODA, 2019), nas características sensoriais e reológicas (ISKAKOVA; SMANALIEVA; METHNER, 2019), promover um aumento de compostos bioativos (AYYASH et al., 2019), ou seja, com alguma ação benéfica sobre o organismo, entre outras (MAKAWI et al., 2019; BATIONO et al., 2020; RASANE; et al., 2014).




Modificações promovidas pela fermentação de grãos.


Por outro lado, se considerarmos, por exemplo, o mercado de probióticos (leveduras e bactérias com atividades benéficas comprovadas para a promoção da saúde) inclui principalmente os leites fermentados, iogurtes, queijos, entre outros produtos produzidos a partir do leite. O leite e seus derivados são a principal matéria prima para os produtos fermentados devido a uma boa aceitabilidade do público e às suas características que os tornam bons veículos para os micro-organismos.

Mas, em virtude do crescimento dos públicos vegano, vegetariano e dos indivíduos com dietas restritivas a esse alimento, temos um importante motivo para buscar novas matrizes para as bebidas fermentadas, como os grãos, ricos em nutrientes, acessíveis e com boa aceitação entre os consumidores.

Nesse panorama, tem-se observado uma popularização e uma maior adesão no consumo desses produtos para além do consumo tradicional. Um bom exemplo é o Rejuvelac, ou probiótico vegano. O Rejuvelac é um produto fermentado tradicional da cultura asiática frequentemente obtido a partir da porção líquida de uma bebida feita com os mais diferentes grãos e fermentada naturalmente. Também possuem aplicação na formulação de outros alimentos, como queijos veganos (CHEN et al., 2020).

Produtos como esse têm ganhado o gosto dos consumidores, mas também despertado o interesse da comunidade científica. Muitas combinações de matérias primas, micro-organismos e condições de processo podem ser buscadas para aplicações com os mais diversos objetivos. E nesse sentido, muitos avanços e novas descobertas são esperadas para o desenvolvimento e amplo uso dos alimentos fermentados a partir de grãos. Para além da cerveja, é claro.

SPOILER ALLERT: abaixo você encontra um infográfico com um resumo desse artigo. Saúde!

 

Agradecemos por nos acompanhar até aqui! Para maiores informações sobre os nossos trabalhos e atividades de pesquisa, conecte-se com a gente por meio dos nossos canais oficiais:

 

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