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  • Foto do escritor Ruann de Castro

Identificando micro-organismos em alimentos: de probióticos a patogênicos


 

Autoria: Andre Ohara (andre.ohara@gmail.com).

Revisão: Helia Harumi Sato (heliah@unicamp.br) e Ruann Janser Soares de Castro (ruann@unicamp.br).

 
 

Os micro-organismos têm sido aplicados na produção de vários alimentos e bebidas que fazem parte da dieta humana por milhares de anos. Embora tenham sido utilizados desde a antiguidade para a produção, preservação e fermentação de alimentos, o entendimento da relação entre esses seres microscópicos e alimentos não tem um início preciso. Os primeiros indícios desta relação datam de 7000 a.C., quando os antigos babilônios utilizavam a fermentação para a produção de cerveja. As bebidas fermentadas há muito tempo foram consideradas mais seguras para o consumo do que os suprimentos de água locais, que podiam estar contaminados com a bactéria Vibrio cholerae causadora da cólera ou micro-organismos patogênicos de fontes de esgoto não tratado. Mesmo hoje, em países subdesenvolvidos sem acesso a saneamento básico, esse fato ainda está muito presente.

De modo geral, os micro-organismos são de grande importância para os alimentos pelos seguintes motivos: (1) podem causar a deterioração dos alimentos, (2) são usados para fabricar uma ampla variedade de produtos alimentares e (3) existência de doenças microbianas que podem ser transmitidas pelos alimentos.


Micro-organismos podem causar a deterioração dos alimentos


Figura 1. Pedaço de pão coberto por mofo. O mofo é um tipo de fungo filamentoso que cresce tanto ao ar livre quanto em lugares fechados (Fonte).


Os alimentos podem ser considerados um meio natural para o crescimento de micro-organismos, já que possuem os nutrientes básicos necessários para o desenvolvimento celular como proteínas, carboidratos e lipídeos. Sendo assim, as contaminações variam de acordo com os nutrientes majoritários, atividade de água e tipo de alimento. Alimentos que contêm proteínas, principalmente carnes, sofrem putrefação por micro-organismos (por exemplo, bactérias Proteus, Pseudomonas e Clostridium) que hidrolisam as longas cadeias de proteínas em peptídeos e aminoácidos, gerando compostos com mau odor, como aminas, amônia e sulfeto de hidrogênio (H2S). Carboidratos, por serem a primeira fonte de energia celular, quando em condições favoráveis de atividade de água, umidade, temperatura, e pH, promovem o rápido crescimento de inúmeros micro-organismos como no caso do pão mofado na foto acima, e das frutas mofadas (aspecto esverdeado) que podemos ver nas feiras e supermercados. Alimentos que contêm gordura, como laticínios, podem ser deteriorados por micro-organismos que decompõem os lipídeos em ácidos graxos e glicerol. A rancificação da manteiga e de queijos causada por bactérias e fungos é um exemplo desse processo.


Alimentos produzidos pela atividade de micro-organismos


Figura 2. A indústria de alimentos utiliza micro-organismos na produção de diversos produtos, entre eles pães, leites fermentados, bebidas alcoólicas, vinagre, picles, azeitonas, entre outros (Fonte).

Alimentos importantes produzidos no todo ou em parte pelas atividades bioquímicas dos micro-organismos incluem produtos lácteos fermentados, cerveja, queijos maturados, picles, azeitonas, molho de soja, salame, e muitos outros. No caso de leite fermentado, linhagens de bactérias láticas e/ou bactérias probióticas são inoculadas no leite pasteurizado e em condições controladas de temperatura ocorre a produção desejável de ácido lático e outras transformações que contribuem para a preservação do produto. No caso de picles de pepino, bactérias láticas são utilizadas para a acidificação. O alimento inicial, portanto, serve como um substrato que sofre a ação de micro-organismos durante o período de incubação. Frequentemente, o fabricante usa um inóculo, que é uma população comercial de micro-organismos já conhecidos por produzir um bom produto (um exemplo seriam as duas bactérias do ácido láctico: Streptococcus thermophilus e Lactobacillus delbrueckii ssp bulgaricus na produção de iogurte).


Doenças microbianas podem ser transmitidas pelos alimentos


As doenças microbianas de origem alimentar são aquelas causadas pela ingestão de água ou mesmo alimentos contaminados por micro-organismos patogênicos, que causam intoxicação alimentar ou infecções. As intoxicações podem ser causadas pela ingestão de alimentos contendo toxinas microbianas formadas durante o crescimento dos micro-organismos patogênicos nos alimentos (por exemplo, Staphylococcus aureus e fungos filamentosos produtores de micotoxinas). As infecções são causadas pela ingestão de alimentos contendo células viáveis de micro-organismos patogênicos que colonizam o intestino. Entre estes micro-organismos destacam-se bactérias como as salmonelas, Escherichia coli invasiva, Vibrio cholerae e Campylobacter jejuni. Dependendo da gravidade, tais intoxicações e infecções podem causar náuseas, vômitos, diarreia, febre, dor abdominal, cólicas, mal-estar, sendo que nos quadros mais graves, podem ocorrer desidratação, perda de peso e queda da pressão arterial.


Identificação microbiológica


Devido à importância da relação entre micro-organismos e alimentos explicada anteriormente, o conhecimento detalhado das espécies e populações de bactérias e fungos presentes nos alimentos se tornou de fundamental importância, considerando tanto os aspectos de higiene e segurança alimentar quanto de controle de produção e qualidade de alimentos produzidos pela atividade destes micro-organismos.

Existem diversas técnicas que podem ser utilizadas na identificação de micro-organismos, em suma, quatro etapas podem ser aplicadas a qualquer tipo de alimento na metodologia convencional: recebimento e identificação do alimento alvo, diluição da amostra a ser analisada, isolamento em meios seletivos sólidos e identificação completa das colônias por meio de testes bioquímicos, microscópicos e moleculares.


Figura 3. Sequência de análises para identificação de micro-organismos em alimentos.


Todas essas etapas resultam em um método geral de contagem e análise de micro-organismos em placas, que pode ser utilizado para contagem de grandes grupos microbianos apenas variando o tipo de meio, a temperatura e o tempo de incubação. Um aspecto muito interessante nesse processo é a utilização de meios de cultivo seletivos, que são elaborados de acordo com o micro-organismo que se deseja isolar. Por exemplo, para o isolamento da bactéria Escherichia coli, o meio Eosina azul de metileno (EMB) é utilizado pois inibe o crescimento de bactérias Gram positivas e indica se a bactéria é fermentadora ou não de lactose. Assim, colônias de E. coli são facilmente identificáveis por apresentarem coloração verde metálico devido à rápida fermentação da lactose.

Figura 4. Crescimento da bactéria E. coli em meio EMB (Fonte).


A fim de aprofundar a identificação, outras avaliações podem ser realizadas, incluindo: a caracterização microscópica do micro-organismo, na qual a morfologia das células e colônias é avaliada, e a identificação bioquímica, na qual são empregados testes que detectam a presença de enzimas estruturais importantes no metabolismo do micro-organismo, como catalase, fenilalanina desaminase, descarboxilases e citocromo C oxidase. Outros testes detectam também a produção de metabólitos, como indol, acetoína e ácidos orgânicos.

A confirmação é realizada com as análises moleculares, que contam com a famosa reação de PCR, do inglês Polymerase Chain Reaction (a mesma utilizada para a detecção do coronavírus). A reação de PCR consiste na amplificação de fragmentos do DNA dos micro-organismos. No caso das bactérias é utilizado o gene 16s, pois todas as bactérias possuem esse gene, e o mesmo é composto por regiões conservadas (regiões conhecidas e com a sequência de DNA idênticas) e variáveis. As regiões conservadas permitem que primers (moléculas pequenas de DNA que iniciam a reação de PCR) sejam projetadas para atingir e englobar todas as bactérias, e as regiões variáveis, após o sequenciamento, são utilizadas para diferenciar as espécies analisadas.


Sequenciamento de Nova Geração


Com os avanços da ciência nas últimas décadas, a identificação de micro-organismos em alimentos se tornou mais rápida e precisa. Além disso, de modo a complementar as técnicas clássicas explicadas anteriormente, as novas metodologias que visam realizar a caracterização da população de micro-organismos já trabalham com análise do DNA total de uma amostra de alimento. Essa nova técnica denominada metagenômica se baseia na utilização de sequenciadores de DNA superpotentes, os quais permitem o sequenciamento em larga escala, de bilhões de moléculas de DNA simultaneamente e em uma única amostra.


Figura 5. Técnica moderna de análise microbiológica de alimentos - Metagenômica.


Assim, além de determinar quais micro-organismos estão presentes no alimento analisado, também é possível determinar de maneira quantitativa os percentuais da população referentes a cada espécie analisada. A figura a seguir exemplifica o resultado de uma análise metagenômica aplicada na área de segurança de alimentos.


Figura 6. Bactérias presentes em amostras de espinafre (análise metagenômica) (Fonte).


No gráfico acima é possível verificar que na amostra 1b cerca de 80% da população bacteriana é composta por Pseudomonas spp., cerca de 9% por E. coli phylogroup E, 8% por Pantoea agglomerans, e o restante por outras não identificadas. Ou seja, a análise foi capaz de mapear cerca de 97% da população de bactérias da amostra analisando apenas o DNA, incrível não é mesmo?

Você já parou para pensar quantos produtos no nosso dia-a-dia possuem esta relação harmoniosa (ou não) com os micro-organismos? Pois é, o universo dos micro-organismos é surpreendente, quando o assunto é alimento, eles podem ser vilões e heróis ao mesmo tempo.

 

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