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Foto do escritor Ruann de Castro

Enzimas: da obtenção à aplicação!

Uma abordagem de valorização ao emprego dessas macromoléculas na indústria

 

Autoria: Mariane Daniele Munhoz (m264724@dac.unicamp.br).

Revisão: Yuri Matheus Silva Amaral (yuriamaral7@gmail.com), Ruann Janser Soares de Castro (ruann@unicamp.br) e Helia Harumi Sato (heliah@unicamp.br).

 
 

As enzimas são macromoléculas de origem proteica que estão presentes em todas as células vivas, onde atuam como catalisadores, ou seja, aumentam a velocidade das reações milhares de vezes. Além de apresentarem papel essencial no metabolismo das células, diversas enzimas vêm sendo empregadas na indústria de alimentos, farmacêutica, curtumes e também na produção de biodiesel, produção de etanol a partir de resíduos lignocelulósicos, etc, porque apresentam potencial de substituição de processos químicos convencionais.

A substituição de processos químicos por enzimáticos ganhou destaque com o passar dos anos devido a importância da sustentabilidade nas atividades produtivas. Nesses processos existe a necessidade de substituição das reações que são baseados na utilização de insumos não renováveis por processos que utilizem insumos renováveis, ademais, alguns destes processos adotados pela engenharia química utilizam compostos químicos considerados tóxicos ao meio ambiente. Dentro desse contexto, a tecnologia enzimática vem ganhando destaque por ser altamente promissora para a síntese de compostos de alto valor agregado.

Figura 1. Processos Químicos versus Processos Enzimáticos


De acordo com a Grand View Research (2020), o mercado mundial de enzimas no ano de 2019 foi estimado em aproximadamente US$10,0 bilhões, apresentando uma taxa de crescimento anual de 7,1% e pode atingir US$14,9 bilhões no ano de 2025. Esse aumento exponencial se deve a especificidade da enzima em relação ao substrato, a importância do produto gerado, a evolução de tecnologias de engenharia genética e enzimática as quais permitem a obtenção de enzimas mais eficientes, a demanda do mercado consumidor; bem como a não necessidade do emprego de condições extremas de pH e temperatura para o processo, tornando-o ambientalmente amigável (Novozymes, 2020).

Figura 2. Mercado mundial de Enzimas. Fonte: Fonte: Adaptado de Grand View Research (2020) e Markets and Markets (2020)


Obtenção de Enzimas


As enzimas são produzidas pelas células de todos os seres vivos (bactérias, protozoários, fungos, plantas e animais) e são utilizadas como catalisadores nas reações bioquímicas dos seres vivos há milhares de anos. As enzimas podem ser obtidas de três principais fontes: vegetais, animais e micro-organismos.

As enzimas de origem vegetal podem estar presentes em maior concentração em látex, frutos, folhas ou sementes. Existe uma ampla diversidade de exemplos bem sucedidos do uso de vegetais como fonte de enzimas, como a protease papaína extraída de látex de mamão (Carica papaya L.); bromelina de caule da planta do abacaxi (Ananas comosus), α-amilase e β-amilase de cevada germinada; peroxidase de raíz forte (Armoracia rusticana L.) e lipoxigenase de farinha de soja. Entre as enzimas obtidas de plantas pode ser destacada a produção de α-amilase e β-amilase no processo de produção de malte de cevada, utilizado para produção de cerveja e uísque. As preparações de papaína, sal e temperos, para uso como amaciante de carne, também tem crescido nos últimos anos.

Já as enzimas provenientes de fontes animais como: quimosina, pancreatina, tripsina, pepsina, renina, quimotripsina e catalase são obtidas a partir abomaso de bezerros, pâncreas, estômago de suínos ou fígado e apresentam grande importância comercial e industrial. De uma maneira simplificada a obtenção das enzimas dessas matrizes ocorre por maceração dos tecidos, seguido de homogeneização e extração utilizando água destilada ou solução tampão em pH e concentração adequada e posterior separação sólido-líquido para a remoção de resíduos insolúveis.

Enzimas provenientes de fontes animais e suas aplicações


As enzimas de origem animal são aplicadas principalmente nas indústrias alimentícia e farmacêutica. A Resolução da Diretoria Colegiada n°53 de 07 de Outubro de 2014, da ANVISA, descreve a lista de enzimas, suas respectivas fontes de obtenção, aditivos alimentares e veículos autorizados em preparações enzimáticas para uso como coadjuvante de tecnologia na produção de alimentos em geral.

Figura 3. Obtenção de Enzimas de Origem animal


As enzimas de origem animal aprovadas para utilização pela indústria de alimentos são: α-amilases, catalase, quimosina, lactoperoxidases, lipases, lisozima, pepsina (bovina, suína e aves), fosfolipase A2 e tripsina, as quais serão brevemente abordadas, a seguir:


α-amilase


As α-amilases de animais são produzidas pelas glândulas salivares e pâncreas, hidrolisam as ligações α-1,4 glicosídicas da amilose e amilopectina, ao acaso, liberando glicose, maltose, oligossacarídeos e dextrinas. A α-amilase pancreática pode ser obtida de pâncreas suíno e bovino. A α-amilase pancreática de suínos é usada como um auxiliar de digestão. E apresenta potencial de uso em rações para animais.


Catalase


A catalase pode ser obtida do fígado equino ou bovino. A enzima é encontrada na maioria dos organismos aeróbicos e é importante para a detoxificação de espécies reativas de oxigênio nas células. Algumas reações do metabolismo de aminoácidos e lipídeos levam à produção de radicais livres e H2O2, espécies químicas muito reativas, capazes de danificar a célula. A catalase converte peróxido de hidrogênio (H2O2) em água e oxigênio. Industrialmente a catalase é aplicada na remoção de peróxido de hidrogênio, em combinação com a glicose oxidase no processo de remoção de glicose na produção de ovo e clara de ovos em pó.

Quimosina


A quimosina é uma aspartil protease, extraída do abomaso (quarto estômago) de bezerros ou cabras lactentes, aplicada na indústria de fabricação de queijos. O coalho é o nome atribuído às preparações comerciais contendo proteases ácidas constituídas de quimosina e pepsina em diferentes proporções. A quimosina apresenta proteólise limitada, alta atividade coagulante e baixa atividade proteolítica, comparada com outras proteases.

Lactoperoxidase


Essa enzima é uma glicoproteína encontrada no colostro, leite e em outras secreções dos mamíferos, sendo, dentre as enzimas, a encontrada em maior quantidade no leite. O papel biológico da lactoperoxidase está associado à proteção da glândula mamária e do trato intestinal dos lactentes contra micro-organismos patogênicos que possam estar presentes no leite. A concentração da enzima no leite bovino é em torno de 30 mg/L, constituindo cerca de 1% da proteína do soro do leite. No colostro bovino, o teor de lactoperoxidase é baixo, no entanto, aumenta com o passar dos dias e alcança sua concentração máxima de 3 a 5 dias pós-parto. As variações na concentração da enzima podem depender da fase do ciclo estral da vaca, regime de alimentação e raça. A lactoperoxidase do leite em combinação com íon tiocianato e peróxido de hidrogênio, forma íon hipotiocianato com atividade antimicrobiana.


Lipase


Lipases são enzimas pertencentes à família das hidrolases que tem como função biológica primordial catalisar a hidrólise de óleos e gorduras liberando ácidos graxos, diacilgliceróis, monoacilgliceróis e glicerol. Essas enzimas podem ser obtidas de pâncreas suíno e bovino; estômago bovino; e abomaso e glândulas salivares de bovino, suíno, caprino e ovino. As lipases possuem inúmeras aplicações, podendo ser utilizadas na modificação de óleos e gorduras, na formulação de detergentes, na indústria farmacêutica, na fabricação de alimentos, na produção de biodiesel, nos curtumes, no tratamento de efluentes, dentre outras aplicações.


Lisozima


As lisozimas são enzimas obtidas da clara do ovo e catalisam a hidrólise das ligações β-1,4-glicosídicas entre o ácido N-acetilmurâmico e a N-acetilglicosamina, componentes do peptídeoglicano presente na parede celular bacteriana. Algumas lisozimas, também podem atuar sobre a quitina, componente da parede celular fúngica, hidrolisando as ligações β-1,4-glicosídicas entre os monômeros de N-acetilglicosamina. Devido a este mecanismo, a lisozima atua como um antimicrobiano natural dos organismos, auxiliando na defesa contra infecções bacterianas e fúngicas.


Pepsina


A pepsina é uma endopeptidase ácida e pode ser extraída do abomaso bovino, mucosa gástrica suína e do proventicum de aves. Durante o processo de digestão as proteases hidrolisam ligações peptídicas de proteínas da dieta liberando peptídeos e aminoácidos. A pepsina é eficiente em hidrolisar ligações peptídicas de proteínas envolvendo aminoácidos aromáticos (fenilalanina, triptofano e tirosina) e ramificados (leucina e valina). A pepsina bovina pode ser usada na coagulação de leite, hidrólise de proteínas, obtenção de hidrolisados proteicos e peptídeos bioativos.


Tripsina e Quimotripsina


A tripsina e quimotripsina podem ser obtidas de pâncreas suíno e bovino. São serina proteases do tipo endopeptidase, que atuam em pH alcalino. A tripsina é formada por uma cadeia de 223 resíduos de aminoácidos e contém seis ligações dissulfeto. A tripsina hidrolisa as ligações peptídicas no lado carboxila dos aminoácidos lisina e arginina, exceto quando são seguidos por prolina. A quimotripsina hidrolisa ligações peptídicas no lado carboxila dos aminoácidos aromáticos. A tripsina e quimotripsina podem ser utilizadas para hidrólise de proteínas, obtenção de hidrolisados proteicos e peptídeos bioativos.


Fosfolipase A2


Essas enzimas catalisam a hidrólise dependente de Ca2+ da ligação 2-acil éster de 3-sn-fosfolipídeos, liberando ácidos graxos e lisofosfolipídeos. Além do seu papel fundamental no metabolismo de lipídeos, estas enzimas estão intimamente relacionadas com a liberação de ácido araquidônico (AA), um precursor de lipídeos bioativos, tais como prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanos, que podem participar de uma variedade de funções biológicas, como regulação do sono, resposta imune, inflamação e percepção da dor. As fosfolipases A2 estão amplamente distribuídas na natureza e apresentam elevado interesse médico-científico dado seu envolvimento em várias doenças inflamatórias humanas. A fosfolipase A2 pode ser extraída do pâncreas de suínos.A fosfolipase é utilizada para melhorar as propriedades funcionais da gema do ovo, melhorar as propriedades de emulsificação de molhos, maionese e coberturas, aumentando a firmeza do produto final e a estabilidade de molhos ao calor.


Enzimas microbianas: uma alternativa as enzimas de origem vegetal e animal


Embora as enzimas obtidas de fontes vegetais e animais sejam amplamente empregadas na indústria, têm-se a tendência crescente da produção e utilização de enzimas microbianas, incluindo as produzidas por micro-organismos geneticamente modificados. O interesse na obtenção de enzimas microbianas por meio de processos fermentativos vem se destacando devido ao fato de que esse processo não sofre influência de fatores sazonais, apresenta a possibilidade de utilização de substratos baratos como os resíduos agroindustriais e também porque o rendimento da produção pode ser elevado por meio da otimização das condições de processo fermentativo, devido a mutações do micro-organismo ou a partir da tecnologia de DNA recombinante.

As enzimas microbianas podem ser obtidas por meio de processo industrial, o qual pode ser dividido em duas etapas: processo fermentativo e processo de separação e recuperação das enzimas. O processo fermentativo utilizado industrialmente deve ser realizado em condições otimizadas. De modo geral, o meio contém fontes de carbono, fontes de nitrogênio, fatores de crescimento e micronutrientes podendo utilizar também indutor da enzima. Já as etapas de separação e recuperação das enzimas depende inicialmente do tipo de enzima de interesse (intracelular ou extracelular). No processo de extração de enzimas extracelulares produzidas em meio líquido é utilizado o sobrenadante do meio de cultura e no caso de fermentações em meio em estado sólido, é feita adição de água destilada ou solução tampão para a extração da enzima. Para a obtenção das enzimas intracelulares são necessários equipamentos, tratamento químicos ou enzimático para rompimento das células. Em todas as etapas de separação e recuperação das enzimas é necessário manter condições não desnaturantes, ou seja, condições nas quais as enzimas não perderão atividade.

Figura 4. Obtenção de Enzimas de Origem Microbiana.


De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada n°53 de 07 de Outubro de 2014, da ANVISA, são listadas 45 enzimas de origem microbianas permitidas para a utilização na indústria alimentícia, essas enzimas são separadas por sua classe em: Proteases; Invertases; Pectinases; Amilases e Celulases. O objetivo da obtenção industrial das enzimas microbianas está relacionado ao atendimento da demanda de mercado sem a escassez das fontes de origem vegetal e animal. Algumas dessas enzimas são citadas a seguir:

As proteases ácidas dos fungos Rhizomucor miehei e Endothia parasitica apresentam atividade similar à quimosina de abomaso de bezerro e podem ser produzidas por fermentação em laboratório. Sendo desta forma uma alternativa para obtenção de proteases para coagulação do leite e fabricação de queijos, evitando o abate de bezerros para extração de quimosina do abomaso.

Invertases de micro-organismos como: Aspergillus niger; Bacillus subtilis; Kluyveromyces fragilis; Saccharomyces carlsbergensis; e Saccharomyces cerevisiae, também conhecidas como β-D frutofuranosidase, são amplamente empregadas na indústria de alimentos para a obtenção de xarope de glicose e frutose e obtenção de fruto-oligossacarídeos. Essas enzimas obtidas por fermentação apresentam características similares as invertases de origem vegetal e podem ser empregadas como substitutas das dessas enzimas.

Enzimas pectinases ou pectinolíticas podem ser obtidas de fontes vegetais, no entanto as pectinases comerciais são obtidas de fungos. Os micro-organismos A. awamori; A. foetidus; A. niger; A. oryzae; Penicillium simplicissium; Rhizopus oryzae; e Trichoderma reesei podem ser utilizadas para a produção dessas enzimas, que são utilizadas principalmente na indústria de processamento de sucos, nas etapas de extração, clarificação e concentração.

As amilases ou enzimas amilolíticas é uma classe de enzimas hidrolíticas que compreende α-amilases, β-amilases, glicoamilases, isopululanases, pululases, isoamilases e exopululanases. Essas enzimas podem ser obtidas de fontes vegetais e animais, mas as amilases microbianas possuem maior aplicação. As amilases são extremamente importantes para a indústria de alimentos e bebidas, e são empregadas em diversos processos como hidrólise do amido, obtenção de xarope de milho com alto teor de frutose, maltodextrinas e na produção de cerveja.

Celulases de A. niger; A. oryzae; P. funiculosum; R. delemar; R. oryzae; Sporotrichum dimorphosporum; Thielavia terrestris; T. longibrachiatum; T. reesei, podem ser obtidas por processos fermentativos utilizando bagaço de cana de açúcar como meio de cultivo. Essas enzimas podem ser aplicadas na indústria de alimentos em conjunto com as hemicelulases e pectinases, na extração e clarificação de sucos de fruta.

As enzimas microbianas são mais utilizadas em comparação com as enzimas de origem vegetal e animal, devido a possibilidade de produção em grande quantidade por processos fermentativos, menor custo e características como termoestabilidade e estabilidade ao pH.


Exemplo da utilização de enzimas na indústria de alimentos: uma abordagem na área de produtos lácteos

As enzimas de origem animal quimosina e pepsina e também proteases fúngicas ou quimosina de abomaso de bezerro expressa em micro-organismos são utilizadas para a coagulação do leite e produção de queijo.


Figura 5. Queijo Minas Frescal


O processo de fabricação do queijo pode ser dividido em três etapas distintas: 1. Acidificação, é a etapa de fermentação da lactose por bactérias láticas para a produção de ácido lático; 2. Coagulação, a qual pode ser classificada de duas formas, sendo elas coagulação ácida e enzimática. A coagulação ácida é obrigatoriamente precedida pelo processo de acidificação, onde o ácido lático produzido é responsável pela formação da “coalhada”, já a coagulação enzimática ocorre pela adição do coalho que será responsável pelo processo de coagulação; e 3. Desidratação, a qual consiste em todas as etapas após a coagulação, como corte, mexedura, aquecimento, prensagem, salga e maturação.


Figura 6. Fluxograma de etapas básicas da produção do queijo. Fonte: Cruz et al. (2017)


A coagulação é uma etapa fundamental na fabricação dos queijos e cerca de 75% da produção total é realizada por meio de processos utilizando enzimas como a quimosina e a pepsina. O coalho obtido do abomaso de bezerros pode apresentar relação de 8:2 ou 9:1 de quimosina: pepsina, que varia com o desenvolvimento do animal, podendo chegar a uma relação 1:9 de quimosina:pepsina nos coalhos obtidos dos animais adultos.

Figura 7. Alterações da Caseína para formação da coalhada.

A produção do queijo é um dos exemplos para ilustrar a aplicação das enzimas nas indústrias de alimentos.

Agora, me conte... Você já parou para pensar quantos produtos que são possíveis devido a ação das enzimas que fazem parte do seu dia-a-dia? Lembre-se, as enzimas fazem parte das células de todos os organismos vivos, ou seja, elas estão em tudo!

 

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